"(...) Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós (...)"
Manoel de Barros
Há tempos eu tentava voltar à Praça Getúlio Vargas, para contar histórias e não conseguia.
Eu só conto as que gosto e que escolhem ser contadas. É assim que é. E não conseguia mais gostar de me colocar na praça como uma atração, para quem estivesse de passagem, ou não.
Isso se dá porque eu enjoo logo de tudo; amo uma novidade! Gosto de reinventar, de me reinventar.
Vai daí que um grupo de amigos aqui de Guarulhos se reúne vez em quando para fazer festa. Festa de ocupar, festa de celebrar, festa só porque se quer..
Nova festa marcada, cada um faria algo relacionado à sua área de interesse. Um cria imagem, outra costura, um toca, outra faz moda, um projeta, outra conta histórias.
Mas eu não acho nada elegante em uma festa onde todos estão para conversar, de repente aparecer alguém e começar a narrar. Acho meio invasivo, meio opressor, como se todos tivessem que parar de falar e prestar atenção. Não combina com o que faço, penso eu.
Daí resolvi Contar "Histórias ao pé do ouvido".
" No meio do movimento e do barulho da cidade, uma contadora de histórias e um banquinho, para te contar baixinho uma história.
A narradora escolhe a pessoa, convida-a para sentar-se e venda seus olhos.
Ser escolhido para escutar uma história no escuro de si mesmo, é um pedido do tempo, um alento, um sustento."
Como algumas pessoas já conhecem meu ofício, perguntavam quando eu contaria histórias. Daí eu propunha que ela sentasse no banquinho e a coisa toda acontecia. Um por um, foram vários adultos e crianças durante o dia e a noite.
A festa estava muito boa, tudo acontecendo muito bem, mas a moça aqui não tinha ninguém que registrasse sua intervenção.
Mas a memória é coisa boa, então... Algumas experiências:
Uma colega-contadora, que já conhecia a história que eu narrei. Foi bacana ver sua expressão, a cada parte da narrativa, como se fosse notícia nova.
O moço-desenhista, que ao final disse que precisava fazer uma animação daquela história, porque ele viu todas as imagens com nitidez e os ruídos da festa não foram notados.
O moço que faz cinema perguntou se eu pensava em fazer um CD de histórias, porque ele achava bacana.
Uma doce criança, mal conseguia segurar suas perninhas, como se andasse junto com a personagem da história.
Minha amiga-criança que adora escutar histórias, perguntou se podia escutar sem a venda nos olhos. Eu perguntei por quê e ela me disse que tinha medo.
Então eu sugeri que ela aproveitasse porque não estaria sozinha, afinal eu estaria ali, junto com a história. Talvez fosse uma boa hora de espantar o medo.
Ela concordou e voltou várias vezes, pedindo para que eu a vendasse e lhe contasse outra história. O medo já era...
O Maurício Burim, amigo fotógrafo, conseguiu registrar esses momentos:
O moço-mais-curioso-do-mundo-todo ficava mexendo a cabeça com o queixo levantado, como se apanhasse as memórias com o pensamento.
Enquanto todas as histórias eram contadas, a curiosidade tomava conta do entorno: as pessoas em volta queriam saber o que estava acontecendo, o que eu fazia ali, cochichando no ouvido da pessoa vendada.
Mas, em momento algum NINGUÉM se aproximou. Era como se criássemos um campo intransponível em volta de nós, uma redoma protetora. Espaço afetivo, próximo e terapêutico.
Daí, a certeza veio... Seria assim que eu voltaria para a praça: Histórias ao pé do ouvido!
Gratidão aos ouvidos encantados, à coragem e à imaginação!
Fotos: Maurício Burim