sábado, 20 de agosto de 2011

Vai chover chuva fina, vai chover chuva grossa...*

Hoje eu não estive no Bosquinho, "Botando a Palavra pra Andar" por conta da chuva. Não reclamo, porque precisava cair um pouco de água lá do céu...por aqui tudo estava muito seco...

Lembrei-me de uma lenda que li na página "Jangada Brasil".

Resolvi postá-la aqui hoje...nesta manhã chuvosa de sábado.

A lenda da chuva
(conforme relato verbal do índio Puhuy Maxacali, ouvido e transcrito por Luiz Carlos Lemos)

"Os dedos das mãos e dos pés de cem guerreiros é pouco pra mostrar há quantas luas se passou o que vou contar, na beira deste fogo. Tempo. Muito tempo mesmo.

Naquele tempo, começo do mundo, não tinha chuva. Era só dia e noite, sol e lua e nada mais. 

Não tinha bichos, não tinha planta, não tinha árvore, não tinha verde. Só pedra grandes e rios grandes, no meio das pedras. Nada mais.

Os homens só comiam os peixes dos rios, que eram muitos. Mas, se não comiam peixe, morriam de fome porque não tinha outra coisa não.

E os peixes então pularam muito alto e descobriram que no céu tinha água também, nas nuvens grandes. Então eles pularam mais alto ainda e fugiram para as nuvens e foram viver nas águas que moravam no céu.

E os homens, que não tinham mais peixe para comer, começaram a morrer de fome na terra inteira, em cima das pedras, na beira dos rios vazios de peixe.

Os peixes olharam lá do céu e viram os homens morrendo e chorando, todos com fome. E eles ficaram com pena dos homens e começaram a chorar. As lágrimas dos peixes aumentaram muito as águas do céu e o céu não pôde mais segurar as águas.

Então as águas do céu caíram em forma de chuva, que molhou as pedras, que se desmancharam em terra, e as plantas nasceram para dar comida aos homens.

Mas os peixes sentiram saudade dos rios e começaram a pular de volta para a terra. Os que caíram nos rios continuaram peixes. Os que caíram fora dos rios viraram animais e pássaros.

E os homens que tinham agora o que comer, juraram que só pescariam, só caçariam e só tirariam das árvores o necessário para não morrer de fome. Por este respeito que os homens têm pelos rios, pelos animais e pelas florestas, é que o mundo existe até hoje, pois enquanto o homem não matar aNatureza, a Natureza não vai deixar o homem morrer de fome"


foto: Cláudio Donato (este registro não é do Bosquinho e sim do Parque do Ibirapuera, mas ilustra muito bem o Bosquinho molhado)

* trecho da música de Cláudio Donato

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

"Ilustres Desconhecidos do Saber Popular" (Léo Lopes)

Ontem, domingo do dia dos pais, eu recebi uma mensagem no endereço eletrônico do grupo de culturas populares, do qual faço parte.. Era de um moço chamado Léo Lopes. O assunto me chamou a atenção: 

" Meu avó faleceu esta madrugada..."

Abri a mensagem, me emocionei muito com o que li e me identifiquei sobremaneira com o fato dele honrar os seus antepassados. 

Pedi autorização para postar o texto que ele escreveu, na íntegra; ele me autorizou. Fiquei com muita vontade de ter conhecido seu avô e partilhar com ele alguns momentos de cantoria...

Penso que coisas tão bonitas assim, tão sensíveis, têm que se espalhar pelo mundo... Feito brisa que lambe seu rosto, te arrepiando de emoção.

Escolhi esta foto, pra ilustrar a ancestralidade. Quem honra seu caminho e os que vieram antes, caminha melhor! Segue o texto:


"Meu avô faleceu esta madrugada...
É louco pensar sobre a sina de cada qual. A dor que é bagagem unica do acervo existencial de cada um...
Meu avô faleceu esta madrugada...
Cego, uma perna paralitica, se alimentando por meio de uma sonda, sem prazer algum, nem mesmo de cantar. Aliás sua nobre arte! Era portador de uma das vozes mais bonitas que já ouvi.
Meu avô faleceu esta madrugada...
Partiu um dos ilustres desconhecidos do saber popular.
Sebastião Claudio da Silva: um dos grandes cantadores de moda de viola que animavam as festas das roças de cana de açucar,  de algodão e laranja do interior paulista nas decadas de 40/50/60.
Meu avô faleceu esta madrugada...
Calou sua viola, sua gaita, sua voz e cavaquinho quando já nos idos de 80 faleceu, o seu pareia de cantoria, meu Tio avô Augusto Lopes, cantador de moda e tocador de sanfona. Depois que veio morar com agente, as vezes na solidão da madrugada eu pegava ele lembrando versos, quadras, cantarolando..."a mulher do Jangadeiro, é jangadeira tamem... Ela luta cum a vida pra trazê cumida, prus fio que tem"... "Eu não sou trem cargueiro que carrega carruage"...
Meu avô faleceu esta madrugada...
Mas não gostava de ensinar, depois da cegueira perdeu o sentido da vida, sistemático, pra aprender alguma coisa só uma vez, de ouvido e sem ele perceber que tinha alguem ouvindo, percebendo já parava logo.
Meu avô faleceu esta madrugada...
Ficaram as boas lembranças, das suas sempre aconchegantes casas (como todo pobre que sai da roça pra ir pra periferia das cidades, viveu em muitas). Sempre perto de alguma lagoa, onde adorava nos ensinar a nadar. Entrava sempre primeiro, vasculhava o fundo e anunciava onde estavam, caso houvessem buracos, marcava os limites e depois liberava a netaiada pra brincar. As vezes ficava tocando sua gaita e nos observando.
"Que tempo bom, que não volta nunca mais"...
Meu avô faleceu esta madrugada."
Léo Lopes
(Escola de Capoeira Angola Resistencia,
Orquestra de Berimbaus Navio Negreiro,
Urucungos, Puitas e Quijengues,
& Banda Negomantra)

Seu Sebastião, fica em Paz!


fotos: Cláudio Donato