segunda-feira, 15 de agosto de 2011

"Ilustres Desconhecidos do Saber Popular" (Léo Lopes)

Ontem, domingo do dia dos pais, eu recebi uma mensagem no endereço eletrônico do grupo de culturas populares, do qual faço parte.. Era de um moço chamado Léo Lopes. O assunto me chamou a atenção: 

" Meu avó faleceu esta madrugada..."

Abri a mensagem, me emocionei muito com o que li e me identifiquei sobremaneira com o fato dele honrar os seus antepassados. 

Pedi autorização para postar o texto que ele escreveu, na íntegra; ele me autorizou. Fiquei com muita vontade de ter conhecido seu avô e partilhar com ele alguns momentos de cantoria...

Penso que coisas tão bonitas assim, tão sensíveis, têm que se espalhar pelo mundo... Feito brisa que lambe seu rosto, te arrepiando de emoção.

Escolhi esta foto, pra ilustrar a ancestralidade. Quem honra seu caminho e os que vieram antes, caminha melhor! Segue o texto:


"Meu avô faleceu esta madrugada...
É louco pensar sobre a sina de cada qual. A dor que é bagagem unica do acervo existencial de cada um...
Meu avô faleceu esta madrugada...
Cego, uma perna paralitica, se alimentando por meio de uma sonda, sem prazer algum, nem mesmo de cantar. Aliás sua nobre arte! Era portador de uma das vozes mais bonitas que já ouvi.
Meu avô faleceu esta madrugada...
Partiu um dos ilustres desconhecidos do saber popular.
Sebastião Claudio da Silva: um dos grandes cantadores de moda de viola que animavam as festas das roças de cana de açucar,  de algodão e laranja do interior paulista nas decadas de 40/50/60.
Meu avô faleceu esta madrugada...
Calou sua viola, sua gaita, sua voz e cavaquinho quando já nos idos de 80 faleceu, o seu pareia de cantoria, meu Tio avô Augusto Lopes, cantador de moda e tocador de sanfona. Depois que veio morar com agente, as vezes na solidão da madrugada eu pegava ele lembrando versos, quadras, cantarolando..."a mulher do Jangadeiro, é jangadeira tamem... Ela luta cum a vida pra trazê cumida, prus fio que tem"... "Eu não sou trem cargueiro que carrega carruage"...
Meu avô faleceu esta madrugada...
Mas não gostava de ensinar, depois da cegueira perdeu o sentido da vida, sistemático, pra aprender alguma coisa só uma vez, de ouvido e sem ele perceber que tinha alguem ouvindo, percebendo já parava logo.
Meu avô faleceu esta madrugada...
Ficaram as boas lembranças, das suas sempre aconchegantes casas (como todo pobre que sai da roça pra ir pra periferia das cidades, viveu em muitas). Sempre perto de alguma lagoa, onde adorava nos ensinar a nadar. Entrava sempre primeiro, vasculhava o fundo e anunciava onde estavam, caso houvessem buracos, marcava os limites e depois liberava a netaiada pra brincar. As vezes ficava tocando sua gaita e nos observando.
"Que tempo bom, que não volta nunca mais"...
Meu avô faleceu esta madrugada."
Léo Lopes
(Escola de Capoeira Angola Resistencia,
Orquestra de Berimbaus Navio Negreiro,
Urucungos, Puitas e Quijengues,
& Banda Negomantra)

Seu Sebastião, fica em Paz!


fotos: Cláudio Donato

3 comentários:

  1. Olá, Débora!
    Muito bonita sua homenagem e a do Léo Lopes, que me deixaram sensibilizada e me fazendo lembrar dos meus antepassados. Acho que reverenciar nossos antepassados é manter viva a memória e assim estarmos conectados de alguma forma. Também me solidarizo com o Léo. Um abraço e até breve!
    Margarete Barbosa

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  2. Valeu Margarete
    Concordo contigo sobre reverenciar de onde viemos,
    afinal, em nossa carnespirito vibram as forças da
    nossa gente, do nosso povo, antepassados que se manifestam em cada gesto, em cada referencia
    que faz a gente ser o que somos.
    Abraços
    Léo Lopes

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  3. Débora, parabéns pelo blog e pela postagem do belíssimo texto de Léo Lopes (também me emocionei muito). Há quase dois anos, eu quis homenagear meu pai e escrevi um texto sobre ele no meu blog. Quando tiver um tempinho, leia://mucarela.blogspot.com/2009/12/antonio-filho-de-simeao.html
    Abraços!

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